Da criança ao adulto, quase todas as idades estão representadas neste livro: o menino, o irmão, o sobrinho, o filho adolescente, o filho casado, o avô… Feitos de silêncios e ausências, regados por certa melancolia, os dezesseis contos que compõem Tempo Justo lembram pequenas epifanias em que os personagens vasculham dentro de si, expondo os sentimentos que os mobilizam nas suas relações afetivas.
No conto que abre o livro, “As coisas mudam as coisas”, por exemplo, o protagonista conduz o leitor ao âmago do seu pensamento, revelando, ainda “com os olhos gordos de sono”, a qualidade dos seus afetos, o estranhamento da adolescência, as transformações em curso que nele percebe. Nesse cenário, está em jogo a possibilidade de aproximação entre pai e filho. Enquanto o homem inventa estratégias de intimidade e enreda o rapaz nessa construção, o narrador perscruta os próprios gostos e gestos.
Em uma atmosfera introspectiva, João Anzanello Carrascoza compõe um quadro singular da vida familiar. Todos os contos são narrados em primeira pessoa e marcados pela sutil linguagem do corpo muito mais que pela fala — mesmo em “Outro mar”, “Entreposto” e “Retrato”, em que a satisfação da convivência é comemorada, a palavra é curta, a comunicação se dá com o olhar, o carinho flui com cuidado.
No primeiro, o mais velho dos irmãos observa o comportamento de sua família durante as férias na praia; no segundo, o caçula acompanha o trabalho do pai ao carregar o caminhão no depósito de cereais; no último, o filho único faz o papel de fiel escudeiro paterno em visita à avó e, depois, ajuda o pai a fazer o carro funcionar sob um temporal.
A figura feminina aparece em quase todos os contos: a mãe, a irmã, a avó, a nora, a filha, a mulher grávida, a namorada. Em dois casos, o autor presta forte homenagem a elas. Em “Irmã”, o texto perde a estrutura narrativa convencional e reverencia o laço fraterno em uma elegia moderna de um só fôlego, com pouca pontuação. Em “Perdão” desdobra-se uma espécie de poema em prosa do filho maduro endereçado à mãe. O tom é confessional, sendo um deles póstumo, ou seja, não há comunicação, é solitário. Já em “Balanço”, Carrascoza retoma a placidez na voz do senhor que descansa, ao lado dos filhos maduros, enquanto reflete sobre o apanhado da vida ao som do burburinho alegre da mulher, filhas, nora e neta.
Tempo Justo oferece ao leitor momentos de puro lirismo, numa reflexão sobre o caráter fugaz da vida e o desejo de permanência. E reafirma o vigor de um dos grandes contistas brasileiros de nossos tempos.
Sobre o autor
João Anzanello Carrascoza nasceu em 1962 em Cravinhos, interior de São Paulo. Mudou-se para São Paulo, capital, e graduou-se pela Escola de Comunicações e Artes da USP, onde também se tornou mestre, doutor e leciona até hoje. Trabalhou durante muitos anos em grandes agências de publicidade e ao mesmo tempo cultivou seu gosto pela leitura e escrita, tornando-se um reconhecido autor de contos. Venceu importantes concursos literários, como o Jabuti, APCA, Biblioteca Nacional, FNLIJ e o internacional Guimarães Rosa (Radio France). É autor de Aos 7 e aos 40 (Cosac Naify), Caderno de um ausente (Cosac Naify), Amores mínimos (Record), entre outros.
Ficha técnica:
TEMPO JUSTO
Editora: SM
Páginas: 88
Veja a entrevista com João Carrascoza para o programa “Entrelinhas”