Por Carolina Modesto e Backer Ribeiro (*)
Vivemos em um tempo de contato intenso e permanente onde a comunicação nos acompanha 24h por dia e guia todas as nossas relações. No entanto, vivemos também uma época perigosa em que a superficialidade das relações humanas domina nosso dia a dia. É impressionante como o diálogo efetivo, que escuta, cria soluções e não ignora, ainda é negligenciado por grande parte de nossos governantes na aplicação de políticas públicas que passam por uma condução errônea, ou inexistente, da comunicação com a sociedade civil. A falta de diálogo e empatia está nos levando a falência do sistema público.
Um exemplo de comunicação inexistente foi quando no final do ano passado estudantes ocuparam as escolas públicas em São Paulo contra o projeto de reorganização do governo Alckmin. Esse ato de protesto nada mais foi do que um clamor por voz, um desejo de ser ouvido e consultado frente a uma decisão de tamanho impacto e relevância na vida de cada estudante.
Não convém discutir aqui a boa intenção ou a qualidade do programa proposto, mas sim, a inexistência de consultas públicas aos cidadãos mais impactados por este projeto como: estudantes, pais, professores e gestores das escolas. As ocupações foram legítimas e lideradas por jovens cidadãos (também não pretendemos tocar em méritos políticos de outras possíveis lideranças que se uniram a causa), os quais simplesmente foram “avisados” que as suas escolas seriam fechadas. Ponto. O novo secretário, José Renato Nalini, promete diálogo. Mas, só agora?
Vemos com este exemplo uma crise causada por falta de proximidade com as pessoas, falta de “sola no pé” andando nas ruas e não somente em ciclovias. O planejamento procedente da consulta popular, baseada em conversas, em olho no olho, em compaixão com o próximo é indiscutivelmente rica e real. Sim, ela vem do mundo real e se propõem a servir pessoas reais. Os manuais de planejamento chamam essa etapa de “Pesquisa e diagnóstico”, mas também pode ser chamada de “Etapa de humanização”.
Outro exemplo é o descontentamento do cidadão frente ao recente aumento da tarifa de ônibus em São Paulo. Muitos protestos vêm sendo realizados e liderados, principalmente, pelo movimento Passe Livre, que tem como objetivo conseguir a revogação do aumento. Não cabe, no momento, discutir os aumentos pelo prisma da má gestão financeira da máquina pública, escândalos de corrupção e inflação, já que este aumento já está pensando no bolso dos brasileiros. Mas sim, se focar nos porquês desse aumento, onde esse dinheiro será aplicado e acima de tudo, onde o investimento retorna para o cidadão na forma de melhoria e qualidade. Outro ponto chave é justamente se houve qualquer tipo de consulta ou diálogo com o cidadão antes e durante essas mudanças, em vias de validar ações com real retorno do dinheiro público para o público.
Agora tudo é “por causa da crise”. A justificativa da moda é a crise. Porém, a população não foi informada a respeito dos repasses que seriam feitos em vista do aumento das tarifas, por exemplo. Haverá mais obras para melhoria do transporte público? Mais ônibus serão colocados nas ruas? Nunca visualizamos e experimentamos em nosso dia a dia aquele tão sonhado conformismo que diria “Pagamos caro, mas não podemos reclamar, temos um serviço de transporte digno e de qualidade”.
Estes são apenas dois exemplos emblemáticos que ilustram um cenário de crise institucional e política causados, em grande parte, por tomadas de decisões unilaterais e falta do bom e velho diálogo. Vivemos um cenário onde falta tudo: perguntas, interesse em ouvir o outro lado e defender o bem-estar do outro. Acima de tudo falta a compreensão e compaixão. Kailash Satyarthi, ganhador do prêmio Nobel da Paz 2014, nos questiona nesse sentido: “Como podemos falar que somos civilizados se não prestamos atenção nisso?”. E ainda indaga “Em que tipo de mundo estamos vivendo?” E assim, complementamos: “Como não prestar atenção no que dizem as pessoas que os elegeram como seus representantes oficiais?”.
Portanto, se queremos formar e empoderar jovens críticos e atuantes em suas realidades, falemos com esses jovens para que eles amadureçam com inteligência e compaixão. Que eles possam chegar as suas escolas, sem medo de ver portões fechados, por meio de transportes públicos dignos do preço monetário cobrado. Desse modo, muito mais do que sola de sapato gastos, nossos representantes ganharão o grande prêmio Nobel do cumprimento de seus deveres. É isso o que a Communità Socioambiental acredita. Só por meio de um processo de comunicação e relacionamento as diferenças e interesses podem ser equilibrados.
(*) Carolina Modesto e Backer Ribeiro são relações públicas e associados da Communità Comunicação Socioambiental.