Por Luiz Carlos Borges da Silveira
Está ganhando força a discussão em torno do necessário estabelecimento de um novo Pacto Federativo para descentralizar a distribuição dos recursos tributários, restabelecendo a autonomia financeira das unidades federativas e seus municípios, possibilitando o rápido e efetivo desenvolvimento dessas células que são as verdadeiramente geradoras dos recursos. Tenho pregado, desde quando atuava no Congresso, a importância da revisão do sistema.
Pacto Federativo é um acordo firmado entre a União e os estados federados. Este acordo estabelece as funções, direitos e deveres federais e estaduais. E numa união federativa, teoricamente, o governo deveria ser descentralizado, assim como a arrecadação tributária, deixando ao governo federal funções como a defesa nacional, emissão da moeda e a política externa.
Alinho a seguir alguns detalhes característicos desse perverso tratamento do governo federal para com os entes estaduais e municipais. Sabidamente, 70% dos impostos estão nas mãos da União e 30% nos estados e municípios, porém, nas obrigações federais se inverte, ficando a cargo dos estados e municípios, que lutam com a falta de recursos e de autonomia econômica, suprir as demandas dos seus cidadãos. Dos 772 bilhões de reais recolhidos em impostos federais pelos estados, apenas 250 bilhões foram transferidos da união para os estados – a união subtraiu 522 bilhões (os dados são de 2012, mas a proporção continua a mesma). Dados específicos revelam, por exemplo, que o estado de Santa Catarina recebeu de volta um quarto do que contribuiu, e o estado de São Paulo nem 10% do que arrecadou para a União retornou.
Dos 26 estados mais o Distrito Federal, 11 são pagadores de impostos federais, ou seja, pagam muito mais do que recebem de volta, enquanto 16 são recebedores, ou seja, recebem mais recursos federais do que enviaram em impostos para a União. Os estados pagadores estão majoritariamente no Centro-Oeste, Sul e Sudeste do país, exceto Amazonas (Norte) e Pernambuco (Nordeste). O Distrito Federal acumula as competências de estado e município e leva enorme vantagem, pois não possui indústrias, não produz nada, porém lucra por ser sede de empresas estatais e também contabiliza a seu favor o Imposto de Renda (IR) retido na fonte pela Receita Federal, o que parece uma burla fiscal.
Da arrecadação da União relativa ao IR e ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) um porcentual é repassado aos Fundos de Participação, ou seja, para estados e municípios. Porém, a união reage e tem aumentado ou criado tributos cuja arrecadação não é obrigada a dividir com os entes subnacionais, como é o caso das contribuições sociais. Os estados têm como fonte principal de recursos tributários o IPVA e o ICMS; os municípios, o IPTU e o ISS – insuficientes para cobrir as mínimas necessidades financeiras.
Fica claro o beneficiamento dos estados que geram menor riqueza e consequentemente menos impostos, em detrimento daqueles que geram mais riquezas e impostos. Nem no tempo do Império as províncias eram tão maltratadas como nesta fase republicana. E convém lembrar que mesmo assim o descontentamento das regiões que sustentavam a Corte colaborou decisivamente para a queda da monarquia brasileira.
Este quadro é o resultado de como é formado o nosso estado federativo, que se comporta como estado único no gerenciamento dos recursos, mas nas distribuições é uma federação sem autonomia econômica. A centralização é causa comum da corrupção, rapinagem dos recursos públicos. Lembro-me que como Ministro da Saúde doei mais de mil ambulâncias para municípios em todo o país. Em vez de compra agrupada, repassei os recursos a cada prefeitura que promoveu a compra em melhores condições, negociando diretamente com fornecedores. E sem o desvio de um centavo sequer, pois era interesse do município fazer a verba “render” o máximo possível. O ministro que me sucedeu preparou um programa para distribuição de duas mil ambulâncias. Caberia ao Ministério da Saúde fazer a licitação, comprar e então distribuir os veículos. Não deu certo, tantas foram as denúncias e embargos que o programa não se cumpriu e as ambulâncias nunca foram compradas. A propósito, quem não lembra do famigerado escândalo da máfia das ambulâncias?
É inquestionável que quando a contratação de obras e serviços é feita diretamente pelos municípios resulta em rapidez, valor mais baixo e a população fiscaliza diretamente. Portanto, estados e municípios poderiam gerir todos os serviços que hoje são federados com muito mais competência e qualidade se ficassem com a maior parte daquilo que pagam em impostos ao governo central. Por isso propõe-se uma reforma no Pacto Federativo, dando prioridade aos municípios para que estes possam administrar uma maior fatia do que ali é produzido.
É oportuno lembrar que esse modelo tributário foi estabelecido pela Constituição de 1967, outorgada pelo regime militar, com o propósito claro de tornar estados e municípios dependentes e subjugados ao Poder Central para forçar o apoio político e eleitoral que lhe faltava. Os governos que se seguiram, mesmo os ditos democráticos, mantiveram o ‘status quo’ pelos mesmos motivos e interesses do regime autoritário. Afinal, no Brasil tudo passa por Brasília, sendo que o caminho poderia ser encurtado.
Um sistema federativo onde os entes federados não têm autonomia econômica, e consequentemente política e administrativa, e ao mesmo tempo lhe são cobrados os serviços de responsabilidade da união, se não é o maior está entre os maiores problemas que a nação deve superar. A forma injusta, sem transparência de como os recursos do país são aplicados, produz grandes desigualdades entre os entes federados e esta falta de clareza da aplicação dos recursos produz clima de desconfiança e desunião na federação. Com absoluta certeza, a descentralização obrigaria a redução da estrutura federal, que é paquidérmica, gastadora, burocrática, ineficaz, ineficiente, e corrupta!
Luiz Carlos Borges da Silveira é empresário, médico e professor. Foi Ministro da Saúde e Deputado Federal.