Por Daniel Medeiros (*)
O final do século XX e essas duas primeiras décadas do século XXI revelaram uma mudança muito expressiva na noção geral sobre o “futuro”. As utopias revolucionárias do fim do XIX e primeiras décadas do XX – tanto comunistas quanto fascistas – imaginavam um lugar e um tempo no qual as sociedades – de classe, no primeiro caso; nacionais, no segundo – viveriam, conjuntamente, uma espécie de “paraíso” na Terra, livres dos infortúnios econômicos e dos inimigos raciais e/ou religiosos.
E qual mudança vem se processando? A ascensão de um novo tipo de aspiração de vida, focado no presente e não mais no futuro. Uma aspiração hedonista, alimentada pela quebra das tradições e pela busca pela flexibilização do trabalho, além da fantástica multiplicação dos contatos, graças às redes sociais. Mudanças que liberaram desejos antes ignorados ou fortemente reprimidos, de uso pessoal do tempo, do corpo, das ideias, da força produtiva, e expressos em conquistas e lutas, como a onda de empreendedorismo, a liberação sexual, as mudanças de relação com o sucesso e o dinheiro, a busca por formas mais imediatas e prazerosas de “ganhar a vida”.
Todas essas mudanças atingem, principalmente (o que é óbvio!) os jovens. E, por isso, causam estranheza e, em muitos casos, repulsa dos mais velhos. A nova relação com o espaço público – que se torna lugar de lazer ao invés de lugar de debate, protesto – passa a ser vista como “alienação”; a nova relação com o Eu (self), narcisismo e superficialidade.
Difícil entender que estas mudanças traduzem, na verdade, um passo para frente do que nos acostumamos a chamar de Modernidade: o que já foi revolucionário ao romper com as hierarquias baseadas no sangue e nos títulos de nobreza, nas tradições locais, em nome de uma realização racional e universal, é agora abalada outra vez por uma nova “onda”: a da diversidade, da quebra da ideia de progresso e futuro, em nome de uma satisfação imediata, descontraída e descompromissada. E tendo no indivíduo, presente e ativo, livre e criativo, alegre e opinativo, o centro dessa nova organização econômica, social e política.
As correntes ideológicas ainda predominantes, tanto de “direita” quanto de “esquerda”, insistem nos velhos jargões de pátria, nação, classe, futuro, progresso ou tradição e glória. E estes discursos surtem ainda grande efeito, principalmente entre os mais velhos e assustados, entre os trabalhadores das fábricas e funcionários públicos, entre os carentes e dependentes dos programas sociais e mesmo entre as novas gerações que internalizam esses discursos e enxergam seus desejos como “incorretos”. Mas a “velha” política, ao reagir a esta busca de uma nova identidade como alienação e ignorância, não faz mais do que fizeram aqueles que recusaram o recado do primeiro corajoso que saiu da caverna e voltou para avisar: “o que sustenta os discursos de vocês não passam de sombras projetadas nas paredes.”
(*) Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor no Curso Positivo.