Resgatando o celular

Por Anderson de Souza

Peguei o biarticulado no terminal do Cabral. Precisava resgatar o smartphone emprestado or minha sogra. Esqueci o aparelho após assistir um filme argentino no festival Olhar de Cinema, no shopping Crystal, no bairro Batel. Me assento rapidamente antes que tomem meu glorioso trono. Percebo que logo atrás de mim, entra uma estudante secundarista, mais ou menos 16 anos, uniforme verde, entramos pela porta três e percebo logo que ela é a cara da cantora norte-americana Alanis Morissette. Fico impressionado com a semelhança. Ela fica parada do lado esquerdo da porta. O rosto é absurdamente igual. A garota está com fones de ouvido; estaria escutando o antigo sucesso You Oughta Know?

Não é possível. A adolescente só tinha a pele um pouco mais morena, e talvez mais baixa. Mas sem dúvida nenhuma era Alanis Morissette em pessoa. Ela não está nem aí, o mesmo olhar perdido da cantora. Percebe que estou espiando. Desvio o olhar e agora vejo um senhor em pé na terceira porta, desisto.

Passamos pelo Passeio Público, está nublado e penso em chegar logo a bilheteria do cinema. Vivo esquecendo as coisas, tenho que parar com isso. Já perdi ou esqueci meu celular umas cinco vezes. Volto a perceber o senhor – daqueles com toda a pinta de quem desistiu da vida sabe? – olha com tristeza para o velho relógio, parece atrasado. Todos estão sempre atrasados. Ele está um pouco incomodado, desajustado, roupa meia amassada, sacola de mercado com a marmita ou um livro qualquer, coça a cabeça, olha o relógio novamente. Nossa! que horas são, me pergunto, cadê o celular branco emprestado?

Rememoro de como as músicas de Alanis Morissette realmente fizeram muito sentido nos anos 90, principalmente para a minha geração que via no movimento grungle a esperança em forma de desilusão. Até hoje estamos meio perdidos. O coletivo agora está passando em frente a Catedral da Fé, da Igreja Universal. A menina Alanis vai descer, acho que ela nem sabe quem é a cantora. Ela pede licença ao velho pois vai desembarcar pela porta quatro. Os dois se olham, ele cede espaço e sorri. Por milésimos de segundo percebo que a bela encantou a fera. Um momento de gentileza mecânica entre duas gerações. Ela desce do coletivo e ele volta a ficar sisudo imediatamente. Eu volto a pensar somente em resgatar o pequeno eletrônico, será que alguém me ligou?   

Curitiba, Junho de 2016

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